segunda-feira, 17 de agosto de 2015

CONTOS DA GUERRA ESQUECIDA - O VELUDO VERMELHO - PARTE VII


Eliza segurava o celular nervosamente; buscou o número na agenda, mas lembrou-se do envelope e do número anotado na borda; repetiu os números no teclado, esperou enquanto o sinal de chamada se repetia até que recebeu o recado de que o celular estava fora de área ou desligado; respirou fundo, no intervalo do pensar se deveria deixar um recado ou não; preferiu não fazê-lo, esperando um pouco para ligar novamente...

Olhou para a cama: lá estavam os maços de cartas; imaginou o que poderia ter acontecido aos correspondentes, pois havia um hiato de datas de um maço de cartas para outro; separou os maços, amarrados por tiras de seda esmaecida, enquanto discava novamente o número dele no celular; procurou mais uma vez ler, uma forma de controlar a ansiedade que crescia cada vez mais...


RECIFE, PROVÍNCIA DE PERNAMBUCO, 12 de Abril de 1863

Cara Irmã

Não me caibo de contentamento ao ver que me formei e já estou em vias de trabalhar com o pai do Mario Fonseca, um de meus colegas de curso; ele disse que tenho potencial para ser um bom advogado, apesar do meu juvenil entusiasmo, que , no dizer dele, pode arruinar as coisas; meu amigo, filho dele, me disse que eu conseguira conquistar o coração do velho, pois “jamais tinha visto o pai dar qualquer elogio, mesmo o mais lacônico”.

Fiquei feliz com a presença de vocês em minha festa de formatura; pela primeira vez vi meu pai esboçar um sorriso, acho que porque ele finalmente acreditava que eu havia me formado; fico pensando que o nosso pai realmente achava que eu estava no caminho certo. Mas isso ficou para trás; agora, tenho de pensar no futuro.

Agora me preocupo apenas com as coisas adiante de mim; podes acreditar ou não, mas nem mesmo a política tem me atraído muito para o cenário dos acontecimentos aqui em Recife; já há alguma agitação por conta dos acontecimentos no Prata, mas nada que mexa muito com o dia-a-dia.

Sei que não tens novas para mim, senão terias me escrito há mais tempo contando cada coisa que tivesse acontecido; mas mesmo assim folgo em receber tua carta, sempre uma razão de felicidade no entediante mundo de regras e normas as quais convivo sempre

Beijo Afetuoso

Do Teu Irmão
Julio



SÃO LUÍS, PROVINCIA DO MARANHÃO, 22 de Junho de 1863

Caro Filho

Te peço perdão por te ter escrito uma missiva tão escassa em palavras; não tinha muito o que relatar a não ser as coisas de praxe, as atribuições da magistratura e os destemperos dos que se veem prejudicados ou esbulhados; por mais incrível que possa parecer, a política parece ter dado uma trégua por aqui, sem mais refregas;

Encontrei por esses dias o estimado amigo Coronel Galdino Póvoas, do Cotonifício Aliança, em Cururupu; recebi dele notícias de que está expandindo os negócios, com a compra de uma fazenda de café no interior da província de São Paulo, mas ao invés de escravos, está negociando a vinda de imigrantes para trabalharem como parceiros ou meeiros, do mesmo jeito que ele fez aqui, mas com os escravos; ele os alforriou a todos e os fez meeiros igualmente.

Aproveito para te passar uma notícia um tanto perturbadora; lembra-se do Alvarez, o merceeiro que morava alpegado à casa de teu amigo Zuza Marcondes? Pois é, ele e o pai do seu amigo tiveram uma altercação que até agora desconheço o motivo; e não é que o doido do Alvarez desafiou o Seu Alfeu Marcondes para um duelo na barra da praia do Caju? Os dois loucos chamaram dois amigos para serem padrinhos e se bateram a fogo de pistola, mas, para o bem de todos, os dois tinham péssima pontaria e não se feriram seriamente.

No mais não há muito a comentar, apenas uma família inglesa que se mudou para a nossa rua recentemente; nosso novo vizinho se chama William Charlton e veio acompanhado da esposa e da filha, uma bela jovem chamada Agnes. Creio serem católicos, pois os vi indo à missa na Igreja da Conceição alguns dias depois de chegarem

Cuide-se bem, meu filho, e dê o melhor de si nesse novo desafio

Que Deus te Abençoe
Abraço do teu pai

Aurélio



SÃO LUÍS, PROVÍNCIA DO MARANHÃO , 28 de junho de 1863

Caro irmão

Agora sim, posso te contar os últimos mexericos da cidade, depois que uma constipação me deixou de cara inchada; o que me salvou foram as mezinhas de Eméria, prestimosa como sempre; nosso pai a tem em alta conta, e eu igualmente; daí posso te escrever.

Nosso pai com certeza já contou o duelo do seu Alvarez com Seu Alfeu Marcondes e da família Charlton, os nossos novos vizinhos; já conheci a filha deles, a bela Agnes, e posso dizer que fiz uma grande amiga; passamos o dia conversando e o pai dela se tornou bom amigo de nosso pai, parece que busca os conselhos dele como juiz, pois o senhor Charlton é representante comercial, negociando as safras de algodão de alguns fazendeiros.

Ontem vi a Marília e o Manduca Zacarias, indo à missa com o filho de colo; ela foi sabida e tratou de agarrá-lo de jeito! Mas imagino que tal mexerico não te interesse tanto quanto um que tenho aqui; os filhos do Major Faria, Lucio e Clara, chegaram de fresco de Paris; não me contive e fui visitá-los; eles me deixaram com água na boca por todas as novidades, especialmente as modas; Clara me pôs a par de tudo, desde os salões elegantes até algumas coisas que me fizeram corar; Lúcio estava mais garboso do que nunca em uniforme naval; ele disse que vai assumir um posto no quartel general do Arsenal de Marinha, pois diplomou-se em engenharia; mas nem pense que ele me fez sequer arfar; sabes o que eu sonho , meu irmão, e não abrirei mão disso;

Espero que as coisas estejam bem por aí; fico escutando os comentários de meu pai e do nosso vizinho senhor Charlton, sobre os negócios na região sul; parece que as coisas estão um tanto difíceis por lá; sabe que não entendo desses assuntos, por isso não irei prolongar-me neles. Na oportunidade mais propícia venha nos visitar, que eu prometo apresentar-te a Agnes.

Beijo afetuoso
Da tua amantíssima irmã
Amália